Aos poucos fomos contornando os problemas e já estamos sobrevivendo ao novo normal. A Covid-19 gerou grandes transtornos, entretanto teve um resultado positivo para o setor de Transportes, Logística e Supply Chain.
Logo, a função logística, que foi o grande diferencial competitivo na década de 90, se transformou em commodity nos anos 2000, perdendo importância e agora voltou com força total. Dessa forma, o fator crítico de sucesso nesta pandemia, com certeza, foi e continuará sendo a Logística e o Supply Chain.
As empresas que hoje ainda estão crescendo são as que tinham Cadeias de Suprimentos resilientes, contornaram os problemas de suprimentos e, no ambiente urbano as que estavam mais preparadas para as operações de e-commerces.
Mas, você que é da área de logística já se acostumou, sempre que achamos que passou uma onda, em seguida vem outra. Portanto, estamos no segundo semestre e precisamos nos preparar para a Black Friday e picos de vendas do Natal.
Como se preparar para esta nova situação desafiadora?
Sendo criativo. Mas tome cuidado para não mexer no que já vem dando certo. Vou sugerir aqui uma forma de se preparar para picos de demanda sem alterar muito suas operações atuais e demandar grandes investimentos.
Estando sua frota e seus armazéns adequadamente dimensionados (economia de densidade) e o nível de produção maximizado (economia de escala) como pode-se ainda ter ganhos? Pela economia de escopo.
Na área de infraestrutura e de comunicações este conceito já é amplamente utilizado, por exemplo os postes das empresas de energia elétrica que são utilizados pelas empresas de TVs a cabo e de telefonia com custo rateado entre elas.
Outro exemplo são as rodovias, onde uma importante receita das concessões rodoviárias é o aluguel do espaço dos canteiros para passagem de fibras ópticas. Logo, este uso sinérgico e complementar é denominado economia de escopo. Negócios diferentes aproveitando potenciais sinergias.
Assim como aviões de passageiros que carregam mercadorias, taxis que fazem entrega de produtos, redes de distribuição sobre postes à redes de assistência técnica, são aplicações relacionadas a este conceito.
Nos EUA, 40% e na Ásia 60% do fluxo aéreo é feito em aeronaves que transportam carga e passageiros de uma ou várias companhias aéreas. Estas operações são reguladas pelos Codeshare Agrément, acordos onde empresas compartilham o mesmo voo repartindo blocos predefinidos de assentos ou espaços de porões.
Invista em alternativas viáveis!
Racionalizamos o nosso Supply Chain, mas não olhamos para fora da nossa caixa. Você, que faz coleta e entrega urbana para sua empresa, conhece as atividades que a área de assistência técnica realiza. Será que não tem sinergia entre as operações? Já pensou em usar um ônibus para despachar suas mercadorias, por exemplo? Ganharia muito em capilaridade e regularidade com um custo menor do que utilizando sua frota dedicada.
Uma tendência para explorar os ganhos de escopo são as MPN Multi Purpose Network, redes compartilhadas por diferentes serviços e que se bem concebida pode reduzir muito os custos de Supply Chain e principalmente da última milha, onde armazenagem e transporte respondem por até 80% do custo total de algumas operações.
A MPN Multi Purpose Network é uma evolução do Supply Chain Network (SCN) envolvendo o compartilhamento de recursos entre empresas com finalidades diferentes, mas com sinergia espaço – temporal de fluxos.
A Kimberly-Clark foi pioneira no uso deste conceito e o utilizou de forma restrita. Há oito anos, fez uma operação piloto com a Lever Fabergé (agora Unilever’s Home and Personal Care) nos Países Baixos. Nesta primeira experiência, as duas empresas fizeram entregas conjuntas aos clientes, onde cada empresa enchia metade de cada caminhão.
Outros bons exemplos são as empresas de telefonia e de energia elétrica onde a mesma rede faz distribuição e assistência técnica. Algumas empresas estão também integrando assistência técnica e logística reversa.
O ônibus como solução
É possível transportar pacotes nos espaços de bagagem dos ônibus e com isso ter economia de escopo entre estes dois serviços.
No Brasil, a startup Enviabybus é pioneira no uso deste conceito no transporte rodoviário. Ela explora muito bem o conceito de economia de escopo criando grande sinergia entre o transporte por ônibus e o transporte de mercadorias, gerando significativos ganhos para os dois serviços.
Os ônibus oferecem, por causa da natureza do serviço, frequências alta, diversidade de horários de partida, grande cobertura de destinos e capacidade de absorver picos de demanda, pois muitas vezes fazem isto com baixa ocupação dos veículos.
Do outro lado garantir, no transporte de mercadorias, altas frequências para alguns destinos e absorver picos de demanda sem degradar o nível de serviço oferecido é muito custoso. Existe um limitante de frota relacionado ao volume de mercadoria a ser transportado e o número de viagens a serem realizadas para um dado destino. Em momentos de pico você ocupa toda sua frota e tem dificuldades de captar autônomos ou contratar transportadoras, pois todo o mercado está fazendo isso. Os preços sobem e o nível de serviço cai.
Logo, nos períodos de vacas magras não conseguimos alta frequência nas operações logísticas convencionais, pois não existem grandes volumes de mercadorias na rota.
Não é sempre que se consegue atingir a capacidade de um caminhão por menor que seja em algumas rotas. Muitos caminhões trafegam hoje com baixa ocupação tanto em volume como em peso. Os ônibus, por sua vez, podem levar mais de 3 toneladas por viagem, operam integrados com EDI e TMS, e usam o moderno conceito de plataforma web ou mobile.
A solução para Supply Chain
A combinação destes dois serviços traz uma grande sinergia e um alto potencial de redução de custos, rateando custos fixos e com baixo impacto nos custos variáveis. Além disso pode ser uma boa alternativa para contornar flutuações de demanda mantendo o mesmo nível de serviço.
Boa Black Friday e que em todas semanas você fique feliz quando escutar
“Hoje é sexta feira”.
Orlando Fontes Lima Júnior
Professor Titular em Logística e Transportes da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da UNICAMP, Presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Ensino de Transportes (ANPET) e pesquisador de Tecnologias Disruptivas e Humanização em Logística.